O assunto é espinhoso, mas faz tempo que
pretendia escrever algo sobre o exacerbado protagonismo do judiciário e suas
incoerências que geram uma insegurança jurídica sem precedentes na história do
Brasil.
É fato que os poderes legislativo e executivo,
onde os representantes são eleitos pelo
voto popular, vêm perdendo, a cada dia que passa, os espaços que lhes são atribuídos
pela Constituição Federal. Contudo, o vácuo deixado pelos agentes políticos é, automática
e perigosamente, ocupado pelo poder judiciário. Mas a judicialização da
política e de tudo mais que a fértil imaginação humana possa imaginar fazem com
que a sociedade se depare com decisões judiciais que, ao invés de proporcionar
a pacificação dos conflitos, desencadeiam verdadeiro tsunami de instabilidade
jurídica.
Não é de hoje que se verifica uma
verdadeira e permanente invasão de competência do poder judiciário em
atividades típicas dos poderes legislativo e executivo, promovendo o
enfraquecimento destes e um empoderamento preocupante daquele.
A independência e o fortalecimento
conjunto dos poderes não só são importantes
como são fundamentais para que não tenhamos uma ditadura dissimulada de um desses
mesmos poderes.
Em relação a nossa Suprema Corte, esta deixou
de ser um tribunal constitucional e já investiu tempo e dinheiro público para
julgar caso de furto de galinha. Inacreditável.
Mas foi uma decisão recente que me fez
escrever algo sobre nosso Supremo. O
fato inusitado ocorreu no caso do goleiro Bruno, ex-Flamengo.
Argumentos do ministro
Marco Aurélio no caso do goleiro Bruno
Farei a abordagem do caso do goleiro Bruno
partindo do princípio que o amigo leitor conhece o assunto. Porém, caso não
conheça, basta clicar aqui.
No último dia 21 de fevereiro, o ministro Marco
Aurélio, do STF, deferiu liminar pleiteada em Habeas Corpus e determinou a
expedição de alvará para liberar o goleiro Bruno da prisão. Até esse momento,
não havia nada de sobrenatural na decisão, mas o que me chamou atenção foram os
fundamentos do ministro na concessão da liminar, pois defendeu que a opinião
pública não pode ser fundamento para permitir que alguém permaneça preso por
tempo indeterminado, e o fez nos seguintes termos: “o clamor social surge como
elemento neutro, insuficiente a respaldar a preventiva”. Abaixo, trecho da liminar
que liberou o goleiro Bruno da prisão:
Após a decisão, em 25 de abril, a Primeira
Turma do STF derrubou, por 3 votos a 1, a liminar concedida pelo ministro Marco
Aurélio. Votaram a favor da volta de Bruno à prisão os ministros Alexandre de
Moraes, Rosa Weber e Luiz Fux. O único voto contrário foi do próprio ministro
Marco Aurélio, que havia concedido a liminar em HC para liberar o goleiro.
Na sessão de julgamento da Primeira Turma
do STF, que decidiu pelo retorno de Bruno à prisão, o ministro Marco Aurélio,
ao defender sua posição, argumentou que:
“Não podemos
julgar a partir do clamor social. Hoje, se fizermos uma pesquisa, vamos ver que
a sociedade está indignada com a corrupção que assola o Brasil. Ela quer
vísceras e sangue, e não o devido processo legal. O paciente é primário e possui
bons antecedentes. Não tinha na folha penal nada que maculasse o seu perfil.
Nada justifica, nada absolutamente, uma prisão processual enquanto não houver
condenação transitada em julgado a durar seis anos e sete meses.”
Não farei nenhuma abordagem técnica sobre
o caso do goleiro Bruno, darei ênfase apenas à postura do ministro Marco
Aurélio e os seus fundamentos para liberar o goleiro, qual seja: que o apelo popular não pode servir como
fundamento para que alguém seja ou permaneça preso. Em outras palavras, como
bem disse o ministro: “a sociedade quer
vísceras e sangue, e não o devido processo legal".
Argumentos do ministro
Marco Aurélio no caso Mensalão
Para melhor avaliar a postura e
contradição do ministro Marco Aurélio, e do próprio STF, é preciso voltar ao
passado. O vídeo abaixo é referente ao famoso caso do “mensalão” (AP 470) onde
o mesmo ministro Marco Aurélio debate com vigor com o também ministro do STF,
Luís Barroso, quando este ainda era “novato” na Suprema Corte, e, nesse
julgamento, Marco Aurélio defende uma argumentação completamente contraditória em
relação àquela que defendeu para libertar Bruno. Mais ainda, quando o ministro
Luís Barroso defendeu a tese segundo a qual a indignação popular jamais pode
servir como base para que ele, enquanto ministro, julgue um caso, o ministro Marco
Aurélio desceu o nível do debate, chamou Barroso de novato e disse que ele devia,
sim, “satisfação” aos contribuintes e que a opinião da sociedade era levada em
consideração para tomar suas decisões.
Vamos ao vídeo da AP 470:
Da contradição dos argumentos
do ministro Marco Aurélio
É óbvio que um ministro do STF, enquanto
servidor público e pelo tamanho da responsabilidade que possui em mãos (onde
suas decisões podem afetar dezenas, centenas, milhares e quiçá milhões de
brasileiros), deve satisfação aos contribuintes, mas jamais este ministro
poderá para tomar suas decisões sob a influência da opinião pública, no intuito
de se ter uma manchete favorável nos grandes veículos de comunicação.
Percebam que os argumentos do nobre
ministro Marco Aurélio, no julgamento do mensalão (vídeo), são completamente
diferentes daqueles que ele utilizou para liberar o goleiro Bruno. No vídeo, Aurélio
critica Barroso por este assegurar o devido processo legal ao réu,
independentemente da repercussão de sua decisão perante a opinião pública,
ironizando o colega por não ouvir as vozes
da rua. Contudo, no caso do goleiro Bruno, Aurélio defende a mesma tese do
ministro Barroso, num supremo
contrassenso.
O que se pretende ressaltar com presente postagem
é o estado de insegurança jurídica que vivemos. Decisões completamente fora do
compasso, perante nossa Corte Suprema, são corriqueiras. A sociedade inteira
paga um preço altíssimo pela falta de clareza das decisões, não apenas dos
tribunais superiores, mas especialmente deles.
Entre a lei e sua aplicação existe o
homem. E o homem é um ser cheio de peculiaridades.
Por certo, nosso Supremo é um tribunal
composto por magistrados experientes e estes bem sabem que quando suas decisões
judiciais e políticas extrapolam os limites da razoabilidade colocam em risco
toda a estabilidade de nossa Democracia, pois para toda ação existe uma reação.
Esperamos que, em se confirmando o fim do foro
por prerrogativa de função (foro privilegiado), o STF se torne, verdadeiramente, uma
corte constitucional e as suas decisões possam trazer a estabilidade e
segurança jurídica que todos nós esperamos.


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