23/09/2018

Pré-campanha: TSE ensaia rever sua jurisprudência



Em 16/05/2016, publiquei aqui no blog a seguinte postagem: “Da diminuição do período eleitoral e da maior flexibilidade da divulgação da pré-candidatura”. No texto, relatei que a Lei 13.165/2015 alterou a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e trouxe algumas mudanças sensatas, como a maior flexibilidade do pré-candidato a cargo eletivo exaltar suas qualidades pessoais, fazer menção a sua pretensa candidatura, bem como exposição de plataformas e projetos políticos, sem que isso caracterizasse propaganda antecipada, desde que não haja pedido expresso de voto, nos termos do artigo 36-A.

O primeiro teste para a aplicação das novas regras eleitorais se deu nas Eleições 2016 e a Justiça Eleitoral deu fiel cumprimento ao texto legal, indeferindo diversas representações por propaganda eleitoral antecipada e consolidou o entendimento de que, para se caracterizar a propaganda extemporânea, havia necessidade de pedido expresso de voto. Para exemplificar, veja abaixo o texto do artigo 36-A, da LE, e a ementa da representação nº 4346, oriunda de Itabaiana – SE, e julgado improcedente (negado provimento) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE): 
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Lei 9.504/1997:
(...)
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via Internet:
(...)
I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na Internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
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RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 4346 - ITABAIANA – SE
Ementa:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. ÁUDIO. DIVULGAÇÃO POR CARRO DE SOM, REDES SOCIAIS E MENSAGENS VIA WHATSAPP. PEDIDO DE VOTO. AUSÊNCIA. ART. 36-A DA LEI 9.504/97. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

1. Propaganda extemporânea caracteriza-se apenas na hipótese de pedido explícito de voto, nos termos do art. 36-A da Lei 9.504/97 e de precedentes desta Corte.

2. Extrai-se da moldura fática do aresto do TRE/SE que os recorridos limitaram-se a divulgar áudio - por meio de carro de som, redes sociais e mensagens via WhatsApp - com o seguinte teor: "[...] seu irmão vai ser prefeito e você nosso deputado, Luciano meu amigo, Itabaiana está contigo e Deus está do nosso lado [...]" (fl. 67v).
3. Agravo regimental desprovido.
Decisão:
O Tribunal, por maioria, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
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Percebam que o “item 1” da decisão ressalta que a propaganda extemporânea caracteriza-se apenas  na hipótese de pedido explícito de voto, conforme consta do artigo 36-A, da Lei 9.504/1997, motivo pelo qual o TSE não aplicou a multa aos pré-candidatos. A decisão reforçou, ainda, que tal posicionamento da Corte se deu também pelos seus próprios precedentes. Em outras palavras, o pedido explícito de votos para caracterizar a propaganda antecipada era fundamental, no entendimento do próprio TSE.

No caso concreto da decisão mencionada acima, os pré-candidatos, segundo trecho do acórdão do TRE-SE: “limitaram-se a divulgar áudio - por meio de carro de som, redes sociais e mensagens via WhatsApp - com o seguinte teor: "[...] seu irmão vai ser prefeito e você nosso deputado, Luciano meu amigo, Itabaiana está contigo e Deus está do nosso lado [...]”

Pois bem, seguindo a atual “tendência jurisprudencial brasileira”, onde o que estava pacificado ontem pode não estar mais hoje, o TSE vem paulatinamente praticando o que o próprio Tribunal denomina de “evolução jurisprudencial” e a festejada flexibilidade da pré-campanha pode estar com os dias contados.

Ora, o texto do artigo 36-A, da LE, ao proibir apenas o pedido explícito de voto nas manifestações dos pré-candidatos, por óbvio, permite que outras formas de pedido de apoio possam ser empregadas pelos agentes políticos. Afinal, pedir o “apoio” de alguém após expor sua plataforma política numa entrevista, por exemplo, está sim dentro do conceito almejado pelo legislador quando da alteração do referido artigo. Não se pode pedir expressamente o voto pelo simples fato de ainda não existir a candidatura, pois ainda está se falando de pré-candidatura, de período pré-eleitoral, que antecede o registro oficial da candidatura perante a Justiça Eleitoral. Assim sendo, havendo o pedido expresso de voto, estará caracterizada a propaganda extemporânea e a multa correspondente deverá ser aplicada.

Da “(in) evolução jurisprudencial

Em 09/07/2016, publiquei a seguinte postagem http://www.claudiomoraes.adv.br/2016/07/eleicoes-2016-da-flexibilizacao-da-pre.html, onde argumentei que:
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“Político faz política todo instante. O que tínhamos antes da última alteração da legislação eleitoral era uma verdadeira incoerência do legislador, que também era atingido pelas insensatas amarras legais. Não havia lógica tentar “esconder” o pré-candidato do eleitorado. Vivia-se um verdadeiro faz de conta. Os pré-candidatos pareciam andar nas sombras para não serem “apanhados”.

Teoricamente, quem deseja ser aprovado em convenção partidária para disputar um cargo eletivo precisa, anteriormente, ter realizado algum tipo de trabalho que possa levar ao eleitorado a ideia que essa pessoa é uma boa opção no momento do voto. Não dá para transformar uma pessoa comum em um pretenso candidato somente no dia da convenção, essa pessoa precisa ter uma história de trabalho que a credencie ser representante do povo.”
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A postagem tratou de evidenciar os benefícios que a flexibilização da pré-campanha pode trazer ao processo eleitoral como um todo, especialmente pelo fato da diminuição do período de campanha, que foi reduzido de 90 para 45 dias.

Ocorre que essa flexibilidade, estabelecida em lei, agora pode começar a ter novos rumos, pois o Colendo TSE, em 01/03/2018, considerou propaganda antecipada uma expressão utilizada por determinado pré-candidato, que não pediu expressamente o voto, como determina o mencionado artigo 36-A, da LE, e própria jurisprudência até então consolidada pela Justiça Eleitoral.

Conforme trecho do acórdão do TRE-CE, que julgou improcedente a representação do Ministério Público Eleitoral, seguindo o entendimento até então consolidado pelo TSE:

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“determinado pré-candidato ao cargo de prefeito, anteriormente ao início do período de propaganda eleitoral, concedeu entrevista a um veículo de comunicação, oportunidade em que proferiu o seguinte discurso: Eu vou ter muita honra de ser prefeito da cidade, se Deus permitir e o povo; a única coisa que eu peço ao povo é o seguinte: ter esta oportunidade de gerir”. (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 10-87, Aracati/CE, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 1º.3.2018.)
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O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, entendeu que no caso concreto ficou caracterizado pedido explícito de voto e, por conseguinte, propaganda antecipada e aplicou a respectiva multa.

Quis o legislador que somente os pedidos expressos de votos seriam tidos como propaganda antecipada, logo, as demais manifestações de um pré-candidato estariam dentro da margem de atuação de uma pré-campanha.

Agora, o TSE, debruçando-se sobre a tal “evolução jurisprudencial”, tenta dar novos contornos ao artigo 36-A, da LE, e sinaliza voltar no tempo e endurecer novamente a pré-campanha, alterando os rumos que o legislador, legitimamente eleito pelo voto popular, imprimiu ao dispositivo.

É impensável que o Poder Judiciário, ou mesmo o Legislativo, possa enumerar todas as formas como um pré-candidato pode se manifestar sem que esteja caracterizado como propaganda antecipada, motivo pelo qual o legislador optou por proibir apenas o pedido expresso de voto, o que, contrário senso, permite todas as outras formas.

Contudo, no TSE, iniciados os debates para uma possível mudança jurisprudencial, alguns membros da Corte querem consolidar um argumento segundo o qual o pré-candidato estaria incorrendo em propaganda antecipada quando, mesmo sem pedir expressamente o voto, “promover o pedido explícito contextualizado, e não o verbalizado”. Seja lá o que isso signifique.

Vejamos as duas decisões para fazermos uma análise mais detalhada da diferença das manifestações dos pré-candidatos, lembrando que em nenhum das duas representações houve pedido expresso de voto:

“limitaram-se a divulgar áudio - por meio de carro de som, redes sociais e mensagens via WhatsApp - com o seguinte teor: "[...] seu irmão vai ser prefeito e você nosso deputado, Luciano meu amigo, Itabaiana está contigo e Deus está do nosso lado [...]”
(RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 4346 - ITABAIANA – SE.)

(Neste caso, não houve aplicação de multa eleitoral)


“determinado pré-candidato ao cargo de prefeito, anteriormente ao início do período de propaganda eleitoral, concedeu entrevista a um veículo de comunicação, oportunidade em que proferiu o seguinte discurso: Eu vou ter muita honra de ser prefeito da cidade, se Deus permitir e o povo; a única coisa que eu peço ao povo é o seguinte: ter esta oportunidade de gerir”.
(Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 10-87, Aracati/CE, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 1º.3.2018).

(Neste caso, houve aplicação de multa eleitoral)


Vejam que em ambas as decisões, mesmo não havendo pedido expresso de voto, as manifestações dos pré-candidatos assemelham-se. É exatamente neste ponto que a dúvida recai: como a Justiça Eleitoral pretende medir ou estabelecer limites às narrativas dos pré-candidatos, lembrando que a própria lei assim já procedeu, proibindo unicamente o pedido expresso do voto?

Definitivamente, uma Corte Superior Eleitoral que muda sua “jurisprudência consolidada” de uma eleição para a outra não colabora com a estabilidade político-eleitoral que tanto precisamos.

A seguir, o vídeo da sessão plenária do TSE, de 01/03/2018, onde ocorreu o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 10-87, Aracati/CE, rel. Min. Jorge Mussi, (julgamento ocorre aos 1:23:13), a saber:




05/03/2018

Chegou a vez do "Fake News"



A utilização de “Fake News”, ou notícias falsas, não é nenhuma novidade no campo político, mas o termo Fake News passou a ser mundialmente conhecido e propagado com mais intensidade após as últimas eleições americanas de 2016, quando os candidatos Donald Trump e Hillary Clinton travaram uma intensa batalha (de baixo nível) nas mídias em gerais que, para muitos, foi decisiva para a vitória de Trump.

No Brasil, a ação dos Fake News não é diferente. Muitos são os candidatos que lançam mão dessa ferramenta para desconstruir a imagem dos seus concorrentes na corrida eleitoral. Quanto mais baixo o golpe aplicado no adversário, maior é o impacto negativo, imagina o algoz.

As “estratégicas” utilizadas são as mais variadas possíveis: passado político, não pagamento de pensão alimentícia, ações trabalhistas, um discurso antigo sobre determinado tema polêmico, uma foto despretensiosa que o concorrente tirou com alguém de imagem impopular etc.

Por certo, é justo que a sociedade, ao analisar os candidatos que se colocam à disposição para assumir cargos eletivos, tenha o direito de saber do passado destes. Contudo, a meu ver, há assuntos de cunho extremamente pessoal - que em nada interferem na condução do mandato, caso venha ser eleita a pessoa - que sua divulgação meramente para fins eleitoreiros transforma certos dilemas familiares em verdadeiros reality show de horror.

Mais ainda, percentual significativo das notícias divulgadas pelas Fake News é composto por conteúdo inteiramente falso, ou seja, são notícias criadas propositalmente para manchar a imagem do candidato (ou pré-candidato), sempre no propósito de descredenciá-lo perante o eleitorado de modo geral ou mesmo perante determinado segmento desse eleitorado.

Fala-se em conteúdo "inteiramente falso" pelo fato de algumas Fake News consistirem em meias verdades, fazendo com que o conteúdo tenha maior apelo e "credibilidade" no público afetado. Mas tudo não passa de estratégia sub-reptícia.  




Há tempos o Brasil se destaca mundialmente no uso de internet, e quando se trata das redes sociais os números são ainda mais surpreendentes. Assim sendo, os Fake News, em terras tupiniquins, possuem um campo fértil para se aventurar. Mas, segundo o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Fux, é bom que esses aventureiros coloquem a barba de molho, pois está sendo montada uma estrutura especial pela Justiça Eleitoral para descortinar os grupos que tentarem utilizar essa ferramenta nada republicana nas Eleições 2018.

Para efeito de registro, a Lei das Eleições (Lei 9504/1997), em seu art. 57, §1º, trata do tema da seguinte maneira:

Lei 9504/1997:

(...)

Art. 57-H. - Sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis, será punido, com multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), quem realizar propaganda eleitoral na internet, atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro, inclusive a candidato, partido ou coligação.   (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1º - Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).  

Os Fakes News, definitivamente, além de constituírem crimes em muitos casos, são um verdadeiro desserviço à sociedade e ao fortalecimento da própria Democracia, pois, entre outras coisas, retiram dos cidadãos a possibilidade de presenciar debates sérios e produtivos entre os candidatos sobre temas importantes à coletividade, uma vez que estes terão que gastar tempo e recurso financeiro para tentar mitigar os injustos ataques sofridos daqueles.


Combater o Fake News não é tarefa fácil, mas é preciso que toda a sociedade se una em torno desse projeto para colaborar com a Justiça Eleitoral a obter resultados positivos no combate a esse tipo de artimanha que em nada contribui para o desenvolvimento da vida em comunidade. 

03/02/2018

Sentença penal em versos


O Dr. ALTEMAR DA SILVA PAES, Juiz de Direito da 4ª Vara Penal do Juízo Singular de Belém, inspirado, proferiu a seguinte sentença na ação penal nº 0000745-23.2011.8.14.0941, que tratava de crime ambiental praticado por Nailton Farias da Silva, que havia pichado muro e fora flagrado por um policial:

PROCESSO Nº.: 0000745-23.2011.8.14.0941
AÇÃO: CRIME AMBIENTAL AUTOR: A JUSTIÇA PÚBLICA
ACUSADO: NAILTON FARIAS DA SILVA
 TIPIFICAÇÃO PENAL: ART. 65, DA LEI Nº 9.605/98.

RELATÓRIO.

Versam os presentes autos
De crime ambiental
Praticado por NAILTON FARIAS DA SILVA
Que agora responde nesta Vara Criminal
Por ter pichado um muro
Sendo flagrado por um policial

De acordo com o relato da denúncia
O réu praticou um crime ambiental
Pichando num muro seu nome e da companheira
 Sendo, então, conduzido por um policial
Até à delegacia do Meio Ambiente
Para que fosse tomada a medida legal

A denúncia foi oferecida e recebida
Seguindo-se a instrução processual
E já em alegações finais foi pedida
A condenação por crime ambiental
Vieram-me os autos conclusos
E estão prontos para a decisão final

FUNDAMENTAÇÃO.

Disse o acusado em seu prol
Que não pichou o muro, na verdade,
Ele estava mostrando o seu trabalho
Grafitando seu nome e de sua cara metade Para mostrar para a população
Que por ali passaria mais tarde

Oh Deus! que sina preocupante Condeno ou absolvo o pichador?
Ele diz que grafitou seu nome e da companheira
Fazendo um trabalho com louvor
Será isso um violento crime hediondo?
Ou será uma linda prova de amor?

Essas são dúvidas que invadem o magistrado
No dia a dia do seu cotidiano
Condeno energicamente em nome da lei,
Ou absolvo, por que também sou humano?
Num país tão cheio de violências,
Cheio de desamor e desengano

Será pecado, será um crime imperdoável,
Grafitar ou pichar uma parede ou um muro
Retratando o amor pela companheira
Que mereça um castigo tão duro?
Confesso que estou em uma grande dúvida
E para condenar, não me sinto seguro

Uma coisa me socorre nesta dúvida
Se condeno ou se absolvo o acusado
É o princípio do in dubio pro reo
Depois de tudo visto e analisado
Acho que devo optar pela absolvição
E assim me sinto mais aliviado

Também, pelo princípio da insignificância
Tese da Defesa na sua alegação
Pois não houve um grande prejuízo
Que justificasse uma condenação
Acolho esse argumento defensivo
E assim, opto pela absolvição

Que prolifere o amor pelo Brasil afora
Sem que se façam pichações
Sem que haja tanta violência
Sem desamor e sem desilusões
Trazendo a felicidade para a família
E unindo os apaixonados corações

DISPOSITIVO.

Assim, absolvo NAILTON FARIAS DA SILVA
Mas que ele reflita com bastante atenção
Se vale a pena grafitar muro por aí
Ainda que seja em nome de uma paixão
Que fique em paz com sua família
E que tenha uma feliz União.

Transitada em julgado esta decisão, arquivem-se os autos.

P.R.I.C. Belém (PA), 1º de fevereiro de 2018.

ALTEMAR DA SILVA PAES
Juiz de Direito da 4ª Vara Penal do Juízo Singular

02/02/2018

Os partidos políticos e os novos tempos


O grau de confiabilidade entre os partidos políticos brasileiros e a sociedade nunca foi tão baixo e os noticiários políticos diários em nada contribuem para a mudança desse cenário.

Partidos políticos são compostos por seres humanos e, a concluir por esses mesmos noticiários e a atual realidade político-partidária do país, não tivemos nenhuma mudança substancial com a inclusão de novos e destacados atores políticos, ou seja, novos “humanos”. Em outras palavras, os partidos continuarão com poucas opções para apresentar a sociedade nas eleições 2018.

É de dentro dos partidos políticos que saem os representantes dos poderes executivo e legislativo e esse “poder” de indicar os nomes não é algo banal, pelo contrário. Os partidos possuem em mãos um poder que influencia diretamente a vida de todos os cidadãos brasileiros, pois vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores, governadores e o presidente da República, aqueles que interferem na educação, saúde, economia e segurança do país, por exemplo, só podem ser eleitos se estiverem previamente filiados em alguma agremiação partidária.

Por certo, ter uma mudança substancial nas diretorias ou mesmo nos quadros partidários não é algo fácil de ocorrer, pois abrir mãos (ou mesmo diminuir o próprio poder) não está na lista de características mais elementares do homem.
No quesito “organização”, os partidos terão mais uma prova de fogo nas Eleições 2018. O processo intenso de judicialização da política brasileira não dá sinais de diminuição em curto prazo.

Nas Eleições 2016, partidos e candidatos tiveram dificuldades com as regras eleitorais estabelecidas pela Lei nº 12.891, de 11 de dezembro de 2013 e a Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015, que alteraram as Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), bem como com as complexas regras sobre prestações de contas eleitorais.


É como eu sempre digo, na política, não há mais espaços para amadores, ou os partidos e candidatos entendem que participar da vida político-partidária do país é algo sério e, por tanto, devem se cercar dos instrumentos necessários, com planejamento, ou irão sofrer as consequências que o amadorismo irá lhes impor.

28/01/2018

Da ilegalidade da condução coercitiva do ex-presidente Lula

Partindo do princípio que o leitor do presente artigo seja conhecedor da condução coercitiva do caso Lula, passados quase dois anos do ocorrido, manifesto meu posicionamento sobre tal fato por ainda me surpreender com a fundamentação da decisão que autorizou tal condução.

De pronto, quero deixar claro que o presente texto não significa apoio político a quem quer que seja, tampouco quero insinuar que o juiz Sergio Moro agiu ou deixou de agir de forma política. A abordagem é meramente jurídica, simples assim.

Sobre condução coercitiva de acusados, o Código de Processo Penal, no seu art. 260, aduz que:

Art. 260.  Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.

Parágrafo único.  O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352, no que lhe for aplicável.


Pois bem, o caput do artigo 260 do CPP estabelece uma condicionante para que a autoridade possa mandar conduzir o acusado (ou investigado) à sua presença, qual seja, se o acusado não atender à intimação para o interrogatório.

A regra é cristalina: para que se conduza alguém de forma coercitiva, a pessoa deve dar causa, ou melhor, ela precisaria descumprir uma primeira intimação para, somente depois, caso haja necessidade, ser conduzida sob vara, de forma coercitiva, e um juiz com o currículo de Sérgio Moro não tem qualquer “permissão” para equivocar-se na interpretação de tal dispositivo.

Em verdade, a própria intimação de Lula já foi algo de causar perplexidade, pois foi uma espécie de espada no pescoço com os seguintes dizeres: ou te ajoelhas ou decepo sua cabeça.

Ora, dizer que a condução coercitiva deveria ser aplicada “somente” no caso de recusa de Lula em acompanhar a Polícia Federal para prestar esclarecimentos não justifica a situação fática ocorrida.

Para deixar ainda mais claro o ocorrido, a Polícia Federal entregou a intimação a Lula para que este prestasse esclarecimentos imediatamente em local determinado na intimação e disse mais ou menos o seguinte: ou o senhor vai por bem, sem que seja necessário utilizar a condução coercitiva; ou o senhor vai por mal, sob vara, com condução coercitiva. Tudo no mesmo ato. Tudo, na minha opinião, sem amparo legal, pois o texto do CPP é cristalino ao condicionar a condução coercitiva somente “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório”, e isso não significa dizer que a apresentação do intimado deva ser imediatamente.

Via de regra, as intimações para comparecimento perante a autoridade policial costumam estabelecer alguns dias de prazo ao intimado, embora o CPP não tenha previsão de tempo mínimo entre a intimação e a apresentação. Contudo, no caso de Lula, a intimação determinou o seu comparecimento de forma imediata à autoridade policial para prestar esclarecimentos. Porém, no momento da intimação, lhe fora informado que, caso não aceitasse comparecer espontaneamente, iria ser conduzido coercitivamente.

É inquestionável que a liberdade de locomoção é violada com a condução coercitiva, uma vez que a pessoa é capturada e levada sob custódia ao local determinado na intimação.

Não faz sentido determinar a condução coercitiva para interrogatório, uma vez que a Lei Maior (Constituição Federal, art. 5º, LXIII) garante o direito ao silêncio ao preso, sem que isso lhe seja atribuído algum tipo de culpa, a saber:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;


Da mesma forma é o artigo 186 do CPP:


Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.        (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.        (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003).


Conduzir um investigado de forma coercitiva, para interrogatório, me parece ser medida ilegal, tendo em vista nosso ordenamento jurídico atual.

É verdade que a liberdade de locomoção não é um direito absoluto. Nem mesmo o direito à vida é absoluto (art. 5º, XLVII, “a”). Restrições pontuais à liberdade de locomoção são aceitáveis, desde que ocorram dentro de uma razoabilidade e de forma proporcional.

O juiz Sérgio Moro, ao deferir o pedido de condução coercitiva, e posteriormente em entrevista a Globo News, numa exclusiva que deu à jornalista Mirian Leitão, justificou a medida dizendo que era no sentido de evitar tumultos entre correligionários do ex-presidente Lula e aqueles que lhe são contrários politicamente. De qualquer forma, a estratégia do douto juiz não surtiu efeito, tendo em vista o grande tumulto que se formou no local do depoimento.

Ora, se a ideia de autorizar a condução coercitiva era evitar o conflito entre os grupos, por qual motivo não se combinou diretamente com a defesa do intimado a melhor estratégia para se evitar o conflito? Lembrando que estamos falando de um ex-presidente que é considerado um pré-candidato à presidência da República, está despontando entre os favoritos nas principais pesquisas e que desperta paixões em milhões de brasileiros, por isso o bom senso deveria prevalecer, não se configurando privilégios a adoção de estratégias com a defesa de Lula a sua apresentação perante a autoridade policial.

Defendo a tese que o artigo 260 do CPP, que dá à autoridade o poder de mandar conduzir coercitivamente o acusado (ou investigado) à sua presença para ser interrogado, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, pois, sob o pretexto de subsidiar a investigação criminal, a condução coercitiva restringe importantes direitos individuais, fortemente amparados pela própria CF, entre eles o de não culpabilidade e o direito de locomoção. Além disso, como já mencionado acima, se o investigado (ou acusado) tem o direito ao silêncio garantido constitucionalmente, não faz sentido ter sua condução coercitiva decretada para se apresentar à autoridade policial, se lá chegando o investigado poderá se manter em silêncio e isso não será considerado em seu desfavor.