23/09/2018

Pré-campanha: TSE ensaia rever sua jurisprudência



Em 16/05/2016, publiquei aqui no blog a seguinte postagem: “Da diminuição do período eleitoral e da maior flexibilidade da divulgação da pré-candidatura”. No texto, relatei que a Lei 13.165/2015 alterou a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e trouxe algumas mudanças sensatas, como a maior flexibilidade do pré-candidato a cargo eletivo exaltar suas qualidades pessoais, fazer menção a sua pretensa candidatura, bem como exposição de plataformas e projetos políticos, sem que isso caracterizasse propaganda antecipada, desde que não haja pedido expresso de voto, nos termos do artigo 36-A.

O primeiro teste para a aplicação das novas regras eleitorais se deu nas Eleições 2016 e a Justiça Eleitoral deu fiel cumprimento ao texto legal, indeferindo diversas representações por propaganda eleitoral antecipada e consolidou o entendimento de que, para se caracterizar a propaganda extemporânea, havia necessidade de pedido expresso de voto. Para exemplificar, veja abaixo o texto do artigo 36-A, da LE, e a ementa da representação nº 4346, oriunda de Itabaiana – SE, e julgado improcedente (negado provimento) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE): 
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Lei 9.504/1997:
(...)
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via Internet:
(...)
I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na Internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
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RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 4346 - ITABAIANA – SE
Ementa:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. ÁUDIO. DIVULGAÇÃO POR CARRO DE SOM, REDES SOCIAIS E MENSAGENS VIA WHATSAPP. PEDIDO DE VOTO. AUSÊNCIA. ART. 36-A DA LEI 9.504/97. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

1. Propaganda extemporânea caracteriza-se apenas na hipótese de pedido explícito de voto, nos termos do art. 36-A da Lei 9.504/97 e de precedentes desta Corte.

2. Extrai-se da moldura fática do aresto do TRE/SE que os recorridos limitaram-se a divulgar áudio - por meio de carro de som, redes sociais e mensagens via WhatsApp - com o seguinte teor: "[...] seu irmão vai ser prefeito e você nosso deputado, Luciano meu amigo, Itabaiana está contigo e Deus está do nosso lado [...]" (fl. 67v).
3. Agravo regimental desprovido.
Decisão:
O Tribunal, por maioria, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
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Percebam que o “item 1” da decisão ressalta que a propaganda extemporânea caracteriza-se apenas  na hipótese de pedido explícito de voto, conforme consta do artigo 36-A, da Lei 9.504/1997, motivo pelo qual o TSE não aplicou a multa aos pré-candidatos. A decisão reforçou, ainda, que tal posicionamento da Corte se deu também pelos seus próprios precedentes. Em outras palavras, o pedido explícito de votos para caracterizar a propaganda antecipada era fundamental, no entendimento do próprio TSE.

No caso concreto da decisão mencionada acima, os pré-candidatos, segundo trecho do acórdão do TRE-SE: “limitaram-se a divulgar áudio - por meio de carro de som, redes sociais e mensagens via WhatsApp - com o seguinte teor: "[...] seu irmão vai ser prefeito e você nosso deputado, Luciano meu amigo, Itabaiana está contigo e Deus está do nosso lado [...]”

Pois bem, seguindo a atual “tendência jurisprudencial brasileira”, onde o que estava pacificado ontem pode não estar mais hoje, o TSE vem paulatinamente praticando o que o próprio Tribunal denomina de “evolução jurisprudencial” e a festejada flexibilidade da pré-campanha pode estar com os dias contados.

Ora, o texto do artigo 36-A, da LE, ao proibir apenas o pedido explícito de voto nas manifestações dos pré-candidatos, por óbvio, permite que outras formas de pedido de apoio possam ser empregadas pelos agentes políticos. Afinal, pedir o “apoio” de alguém após expor sua plataforma política numa entrevista, por exemplo, está sim dentro do conceito almejado pelo legislador quando da alteração do referido artigo. Não se pode pedir expressamente o voto pelo simples fato de ainda não existir a candidatura, pois ainda está se falando de pré-candidatura, de período pré-eleitoral, que antecede o registro oficial da candidatura perante a Justiça Eleitoral. Assim sendo, havendo o pedido expresso de voto, estará caracterizada a propaganda extemporânea e a multa correspondente deverá ser aplicada.

Da “(in) evolução jurisprudencial

Em 09/07/2016, publiquei a seguinte postagem http://www.claudiomoraes.adv.br/2016/07/eleicoes-2016-da-flexibilizacao-da-pre.html, onde argumentei que:
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“Político faz política todo instante. O que tínhamos antes da última alteração da legislação eleitoral era uma verdadeira incoerência do legislador, que também era atingido pelas insensatas amarras legais. Não havia lógica tentar “esconder” o pré-candidato do eleitorado. Vivia-se um verdadeiro faz de conta. Os pré-candidatos pareciam andar nas sombras para não serem “apanhados”.

Teoricamente, quem deseja ser aprovado em convenção partidária para disputar um cargo eletivo precisa, anteriormente, ter realizado algum tipo de trabalho que possa levar ao eleitorado a ideia que essa pessoa é uma boa opção no momento do voto. Não dá para transformar uma pessoa comum em um pretenso candidato somente no dia da convenção, essa pessoa precisa ter uma história de trabalho que a credencie ser representante do povo.”
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A postagem tratou de evidenciar os benefícios que a flexibilização da pré-campanha pode trazer ao processo eleitoral como um todo, especialmente pelo fato da diminuição do período de campanha, que foi reduzido de 90 para 45 dias.

Ocorre que essa flexibilidade, estabelecida em lei, agora pode começar a ter novos rumos, pois o Colendo TSE, em 01/03/2018, considerou propaganda antecipada uma expressão utilizada por determinado pré-candidato, que não pediu expressamente o voto, como determina o mencionado artigo 36-A, da LE, e própria jurisprudência até então consolidada pela Justiça Eleitoral.

Conforme trecho do acórdão do TRE-CE, que julgou improcedente a representação do Ministério Público Eleitoral, seguindo o entendimento até então consolidado pelo TSE:

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“determinado pré-candidato ao cargo de prefeito, anteriormente ao início do período de propaganda eleitoral, concedeu entrevista a um veículo de comunicação, oportunidade em que proferiu o seguinte discurso: Eu vou ter muita honra de ser prefeito da cidade, se Deus permitir e o povo; a única coisa que eu peço ao povo é o seguinte: ter esta oportunidade de gerir”. (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 10-87, Aracati/CE, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 1º.3.2018.)
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O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, entendeu que no caso concreto ficou caracterizado pedido explícito de voto e, por conseguinte, propaganda antecipada e aplicou a respectiva multa.

Quis o legislador que somente os pedidos expressos de votos seriam tidos como propaganda antecipada, logo, as demais manifestações de um pré-candidato estariam dentro da margem de atuação de uma pré-campanha.

Agora, o TSE, debruçando-se sobre a tal “evolução jurisprudencial”, tenta dar novos contornos ao artigo 36-A, da LE, e sinaliza voltar no tempo e endurecer novamente a pré-campanha, alterando os rumos que o legislador, legitimamente eleito pelo voto popular, imprimiu ao dispositivo.

É impensável que o Poder Judiciário, ou mesmo o Legislativo, possa enumerar todas as formas como um pré-candidato pode se manifestar sem que esteja caracterizado como propaganda antecipada, motivo pelo qual o legislador optou por proibir apenas o pedido expresso de voto, o que, contrário senso, permite todas as outras formas.

Contudo, no TSE, iniciados os debates para uma possível mudança jurisprudencial, alguns membros da Corte querem consolidar um argumento segundo o qual o pré-candidato estaria incorrendo em propaganda antecipada quando, mesmo sem pedir expressamente o voto, “promover o pedido explícito contextualizado, e não o verbalizado”. Seja lá o que isso signifique.

Vejamos as duas decisões para fazermos uma análise mais detalhada da diferença das manifestações dos pré-candidatos, lembrando que em nenhum das duas representações houve pedido expresso de voto:

“limitaram-se a divulgar áudio - por meio de carro de som, redes sociais e mensagens via WhatsApp - com o seguinte teor: "[...] seu irmão vai ser prefeito e você nosso deputado, Luciano meu amigo, Itabaiana está contigo e Deus está do nosso lado [...]”
(RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 4346 - ITABAIANA – SE.)

(Neste caso, não houve aplicação de multa eleitoral)


“determinado pré-candidato ao cargo de prefeito, anteriormente ao início do período de propaganda eleitoral, concedeu entrevista a um veículo de comunicação, oportunidade em que proferiu o seguinte discurso: Eu vou ter muita honra de ser prefeito da cidade, se Deus permitir e o povo; a única coisa que eu peço ao povo é o seguinte: ter esta oportunidade de gerir”.
(Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 10-87, Aracati/CE, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 1º.3.2018).

(Neste caso, houve aplicação de multa eleitoral)


Vejam que em ambas as decisões, mesmo não havendo pedido expresso de voto, as manifestações dos pré-candidatos assemelham-se. É exatamente neste ponto que a dúvida recai: como a Justiça Eleitoral pretende medir ou estabelecer limites às narrativas dos pré-candidatos, lembrando que a própria lei assim já procedeu, proibindo unicamente o pedido expresso do voto?

Definitivamente, uma Corte Superior Eleitoral que muda sua “jurisprudência consolidada” de uma eleição para a outra não colabora com a estabilidade político-eleitoral que tanto precisamos.

A seguir, o vídeo da sessão plenária do TSE, de 01/03/2018, onde ocorreu o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 10-87, Aracati/CE, rel. Min. Jorge Mussi, (julgamento ocorre aos 1:23:13), a saber:




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