27/09/2019

Os Partidos políticos, os debates internos e a qualificação permanente dos filiados



O Brasil ainda está em fase de conhecimento da sua própria Democracia. Tendo como marco divisor a promulgação da Constituição Federal de 1988, após mais de duas décadas de ditadura militar, nossa Democracia pode ser considerada uma criança, se comparada com outras Democracias pelo mundo.

O sistema político-eleitoral brasileiro, ao longo desse período de redemocratização, vem passando por significativas transformações legislativas, culturais e comportamentais. E dentro desse sistema há um elemento chamado “homem”, o ator principal desse enredo.

O Brasil, com sua dimensão continental, com sua diversidade cultural, com sua realidade educacional, com seu histórico colonial, com características machistas ainda muito enraizadas, com as características coronelistas ainda bastante marcantes etc., etc., etc., possui um quadro político-partidário bastante multifacetado. E essa diversidade terá reflexo, obviamente, na composição dos cargos políticos de relevância, eletivo ou não.

Os partidos políticos, como instrumentos necessários para a organização do cenário político-eleitoral, possuem um papel relevantíssimo perante a sociedade, mas, na prática, não estão conseguindo cumprir tão nobre missão, seja pelo silêncio ensurdecedor, seja pela ausência de atuação permanente, sem excluir uma única esfera: municipal, estadual ou nacional.

A letargia dos partidos políticos, que deveriam funcionar como o principal filtro de seleção dos candidatos que sairão às ruas para pedir o voto do eleitor, após o fim do período eleitoral faz com que tais siglas tenham uma imagem extremamente desgastada junto ao eleitorado. E para mudar essa imagem só há uma saída: mudança de comportamento.

Não bastam discursos inflamados e esporádicos sobre determinados temas ou postagens em redes sociais, é preciso repensar todos os procedimentos internos. É preciso profissionalizar a organização. Os filiados de uma agremiação partidária e, principalmente, a sociedade como um todo precisam saber que os partidos, para justificar a sua existência, são atores ativos de forma constante, em ano eleitoral e não eleitoral; ou a vida política do país só existe em período que antecede as convenções partidárias?

Da necessidade permanente dos debates internos - Da destinação legal dos recursos do fundo partidário aos institutos e fundações partidárias

A necessidade de promoção de debates internos nas agremiações partidárias sobre temas importantes de interesse da sociedade é diária. Partidos que compõem a base de um governo têm o dever de debater internamente os temas que estão sob sua responsabilidade, especialmente. Para tanto, é necessário investir em qualificação permanente. É preciso dar vida às Fundações/Institutos que os partidos possuem.

A Lei dos Partidos Políticos, Lei 9096/1995, em seu art. 44, IV, estabelece que os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido.

Já falei aqui sobre a necessidade de investimento para o fortalecimento da Democracia brasileira. Sem sombra de dúvida, sem investimento não há fortalecimento.

Vejamos um exemplo clássico da completa ausência dos partidos na promoção de debates ou treinamento/qualificação dos filiados. Você, caro leitor, tem conhecimento em sua cidade sobre a atuação da fundação ou instituto de algum partido político? Provavelmente a resposta é não. E sabe por que é assim?

Porque a base permite que seja assim. Os diretórios ou comissões provisórias municipais permitem que assim seja, não cobrando da direção estadual uma maior organização. Esta, por sua vez, não cobra da direção nacional também maior organização, e assim um espera pelo outro uma atitude que também não tem coragem de iniciar.               

Ocorre que os tempos são outros e essa anemia administrativa nos partidos políticos há tempos causa grandes prejuízos financeiros, judiciais e políticos a todos os envolvidos, sejam dirigentes partidários, filiados, candidatos, mandatários, à própria sigla e, principalmente, à sociedade. 

21/09/2019

Câmara aprova minirreforma eleitoral



A Câmara Federal aprovou na última quarta-feira, 19, mais uma minirreforma eleitoral que poderá valer para as Eleições 2020, a depender da sanção do Presidente Bolsonaro e a publicação da lei até o próximo dia 4 de outubro.

Com a aprovação, novamente o Parlamento recebe uma enxurrada de críticas pelos mais diversos motivos. Os maiores veículos de comunicação, que ainda detêm forte influência na formação da opinião pública, coordenam as críticas iniciais e proporcionam o combustível necessário ao desgaste virtual, realizado pelos internautas.

Tudo muito justo, obviamente. Viva à Democracia, pois o povo tem a liberdade de criticar.

Mas, a bem da verdade, qualquer reforma eleitoral, seja ela ampla ou mínima, será alvo de críticas, pois sempre terá quem não se sinta contemplado. Imaginemos, apenas para reflexão, que pudesse existir uma reforma a contemplar a ampla maioria dos mais variados espectros políticos, mesmo assim, uma parte da imprensa dedicaria tinta e tempo a criticar, pois, falar “mal”, vende, produz audiência, e sempre tem quem goste de assistir programas sanguinários no horário sagrado da refeição. É a eterna contradição humana, já dizia Machado de Assis, em “A Igreja do Diabo”.

Voltando à minirreforma, sobre o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, um dos pontos mais comentado, há “comentaristas políticos” que defendem arduamente que tal fundo é um verdadeiro escárnio, pois recurso público não pode ser usado para financiar campanhas políticas, uma vez que falta dinheiro para saúde, educação, segurança etc., etc., etc, que a classe política é isso e aquilo etc., etc. etc.

Por outro lado, há outros “comentaristas políticos” que, de forma contrária, entendem que sim, é preciso existir recurso público para financiar as campanhas eleitorais, de modo a tentar proporcionar um mínimo de equilíbrio entre os participantes, pois, caso não haja recurso (público) para auxiliar os candidatos reconhecidamente preparados, por exemplo, mas vulneráveis economicamente, estes não terão a mínima chance de se postar como uma alternativa ao distinto eleitor, o que privilegiaria imensa e quase exclusivamente os candidatos detentores de maior poder econômico, que conseguiriam facilmente obter maior visibilidade, entre tantas outras vantagens que o dinheiro particular poderia proporcionar  ao candidato mais privilegiado.

Mais ainda, os defensores da necessidade do financiamento público esclarecem que não há como imaginar um processo eleitoral, que é o ápice do sistema democrático, sem a utilização de recurso, seja ele público ou privado.

Assim sendo, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido pela inconstitucionalidade de doações por pessoas jurídicas, só nos restaria o financiamento público.  E caso não haja esse recurso público para financiar a Democracia, o financiamento poderá vir do tráfico de drogas, por exemplo, dizem alguns estudiosos, pois chefes do tráfico poderiam se aproveitar da crise financeira que se instalaria no processo eleitoral para injetar recursos para eleger seus próprios candidatos.

Talvez o exemplo acima fosse o suficiente para demonstrar que sem dinheiro o processo político-eleitoral, e consequentemente a Democracia, não sobrevive e correr sérios riscos.

Contudo, discursos populistas e simplistas, mesmo que irresponsáveis, sempre são mais fáceis de vender a uma plateia que, muitas vezes, já aguarda a notícia acompanhada com a opinião pronta do emissor, justamente para não precisar perder tempo em “pensar”.



02/09/2019

Fake news: prática criminosa poderá resultar em até oito anos de reclusão quando possuir finalidade eleitoral



O fenômeno das Fake News (notícias falsas) está cada dia mais presente na vida dos brasileiros. As ações irresponsáveis e criminosas nas redes sociais transformam-se, muitas vezes, em verdadeiras tragédias na vida real.

Muitos ainda teimam em acreditar que existe anonimato nas redes sociais e, por esse motivo, praticam verdadeiras barbaridades, triturando reputações alheias, expondo pessoas a constrangimento público, expondo a segurança de pessoas vulneráveis, incitando violência contra terceiros etc, etc, etc.

Basta um único clique para que um ou vários dos exemplos acima possa (m) destruir a vida de alguém.

Mas tais atos irresponsáveis e, não raros, criminosos estão tendo uma atenção especial pelas autoridades competentes. No âmbito criminal, há tempos já existem dispositivos legais no Código Penal a serem acionados por aqueles que são vítimas desses crimes.

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou a Lei 13.834/2019, que alterou o Código Eleitoral para tipificar o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral e, posteriormente, derrubou o veto do Presidente Jair Bolsonaro, que havia vetado o trecho que criminaliza a disseminação de denúncias caluniosas contra candidatos em eleições, apelidada de lei das fake news.

O texto vetado pelo Presidente Jair Bolsonaro e posteriormente derrubado pelo Congresso Nacional é o seguinte:

"Código Eleitoral:

Art. 326-A:

(...)

§ 3º - Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído.”

Com a derrubada do veto, o Congresso recuperou o trecho do Código Eleitoral que criminaliza a disseminação de denúncias caluniosas contra candidatos em eleições.

Assim, de acordo com o art. 326-A, do Código Eleitoral, quem der causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral, poderá ser punido com pena de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Mais ainda, nos termos do § 1º do mesmo artigo, a pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto, o que é muito comum na prática.

Com a derrubada do veto presidencial, o dispositivo mencionado estará em plena vigência nas Eleições 2020, e quem conhece o clima de eleições municipais sabe que elas costumam aflorar disputas fervorosas repletas de pessoalidades, transformando o ambiente político num terreno fértil para ultrapassar os limites do debate político racional.

Contudo, em que pese o clima tenso, a racionalidade e o respeito às regras básicas de civilidade devem prevalecer e quem as infringir responderá pelos seus atos, nos termos da lei.


É preciso responsabilidade com cada clique nas redes sociais, pois um “simples” compartilhamento pode resultar, inclusive, na morte de alguém. Isso mesmo, o ato de compartilhar uma notícia falsa, ou seja, um fake news, pode ocasionar a morte de alguém. Assista o vídeo a seguir e reflita:


É verdade que vivemos um momento de transição, onde as pessoas ainda estão aprendendo a conviver com as tecnologias que estão à disposição da sociedade, mas esse momento de aprendizagem não é desculpa ou permissão para o cometimento de infindáveis atrocidades cometidas, especialmente, pelas redes sociais.


As pessoas vão aprender a conviver de forma responsável com as tecnologias ou por amor, atuando de forma consciente e responsável, ou pela dor, respondendo à inúmeras ações cíveis e criminais pelos excessos cometidos. Cada um escolherá sua opção.

30/08/2019

Lava Jato: Sem power point, 2ª Turma do STF anula sentença do ex-juiz Sérgio Moro que condenou o ex-presidente da Petrobras, por cerceamento de defesa

2ª Turma do STF


A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, anulou sentença do então juiz Sergio Moro, na operação Lava Jato, que condenou o ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Em tempos sombrios, onde a grife “Lava Jato” condena qualquer um antes mesmo de se protocolar a denúncia, até uma decisão fundamentada em argumentos constitucionais, sem levar em conta o intenso julgamento midiático que fatalmente ocasionaria, merece elogios.

No caso concreto, a 2ª Turma do STF, atendendo à tese de defesa, entendeu corretamente que o acusado Bendine, que não assinou acordo de colaboração premiada, deveria ser ouvido após os demais acusados que, sim, entenderam por bem assinar colaboração premiada junto ao Ministério Público.

Indo direto ao ponto, a questão é a seguinte: se determinado acusado reconhece que praticou um crime, há, no caso, uma confissão. Agora, se esse mesmo acusado assinar acordo de colaboração premiada e passar a atribuir o cometimento de crime a outro acusado, estará atuando como testemunha, atraindo ao acusado delatado o direito de defender-se, por último, do conteúdo incriminatório das declarações do acusado delator. Regra constitucional elementar do direito à ampla defesa (Constituição Federal, art. 5º, LV).

Para aqueles que acham que a questão julgada pela 2ª Turma do STF trata-se apenas de mimimi, balela processual ou algo do gênero, indaga-se: como alguém conseguirá defender-se adequadamente de algo se não tem o direito de saber do conteúdo do que se defende?

É óbvio que a ordem da apresentação das alegações finais faz diferença. É óbvio que o acusado delatado terá prejuízo se apresentar suas alegações ao mesmo tempo que os acusados delatores. Estamos falando da liberdade de uma pessoa, para muitos, o bem maior da vida, para outros, o segundo bem maior da vida. Assim sendo, não se pode abrir mão, em hipótese alguma, de um centímetro de direito para atender a caprichos de quem quer que seja, tendo ou não cobertura “jornalística”, tenha ou não repercussão midiática.

Parabéns aos colegas advogados, que dignamente honraram a procuração que lhes fora outorgada!!! 

Voltando ao caso, impressiona os “argumentos” externados pelos inúmeros comentaristas jurídicos dos mais diversos “veículos de comunicação”, incluindo WhatsApp e Facebook. Segundo esses “especialistas”, surpreendeu o posicionamento da ministra Carmen Lúcia, pois esta sempre votava a “favor da Lava Jato”, acompanhando o ministro Fachin, e agora votou a favor da defesa dos “corruptos”. Assim sendo, estaria a ministra mudando de lado?

Os argumentos insanos são os mais variados. A “análise” de qualquer jugado do STF, quando envolve a grife Lava Jato, virou Fla x Flu, ou melhor, Corinthians x Palmeiras (clássico bem mais relevante). O ministro que vota a “favor” da Lava Jato, tende a ser associado à ala do “bem”, e aquele ministro que vota de modo a “contrariar” a Lava Jato, estaria do lado da ala do “mal”. Um completo absurdo!

O homem ou mulher que aceita a honrosa missão de ser ministro (a) do STF não pode, jamais, ceder às pressões midiáticas ou julgar para torcida. Deve, obrigatoriamente, julgar conforme os autos e as leis brasileiras, as quais sempre deverão estar antenadas à Constituição Federal.

Sobre o caso julgado pela 2ª Turma do STF, que anulou a sentença do então juiz Sérgio Moro, o principal argumento do Ministério Público Federal para rechaçar a decisão foi o seguinte:

A força-tarefa em Curitiba manteve as críticas à decisão da Segunda Turma. Em nota, o MPF afirmou que “a regra aplicada pelo Supremo Tribunal Federal não está prevista no Código de Processo Penal ou em outras leis”. Os procuradores sustentam que a decisão do STF “cria situações nebulosas e fecundas para nulidades”. (Fonte: https://exame.abril.com.br/) (Destacado).

Pois bem. Levando em consideração esse argumento do MPF, de que tal entendimento da 2ª Turma do STF não está previsto no CPP ou em outras leis, pergunto: em qual lei está previsto a possibilidade de prisão após a segunda instância, tese amplamente defendida pelo próprio MPF?

A resposta para a pergunta acima é apenas uma: nenhuma lei prevê a possibilidade de prisão após a segunda instância, pois, caso contrário, estaria ela fadada à inconstitucionalidade, por contrariar o art. 5º, LVII, da CF, o qual dispõe que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Concluindo, sobre a decisão da 2ª Turma do STF, que anulou a sentença condenatória do ex-presidente da Petrobras e os atos posteriores, esta assegurou ao acusado o direito de oferecer novamente os memoriais após os colaboradores (delatores). Sobre a ministra Carmen Lúcia, em seu voto, esta consignou que delatores e delatados não estão na mesma condição processual e, portanto, não podem ser tratados de forma igual. Simples assim.

04/03/2019

Eleições 2020: o fim das coligações proporcionais exigirá maior organização dos partidos políticos



Já tratei em outras postagens sobre a falta de planejamento e investimento, pelos partidos políticos, na profissionalização das atividades político-partidárias e suas consequências. O gritante distanciamento entre sociedade e os partidos políticos se dá especialmente pela ausência destes após o término das eleições.

Atualmente, com o poder de comunicação em tempo real do eleitor, com o maior acesso às informações, com a facilidade de divulgação das informações obtidas etc, a necessidade de envolvimento dos partidos políticos nos temas mais caros a sociedade se faz ainda mais latente, motivo pelo qual as agremiações partidárias precisam, urgentemente, se reinventar.


  • Vedação de coligações proporcionais (coligações para vereador)


As Eleições 2020 servirão como um grande teste de resistência e sobrevivência aos partidos políticos, especialmente após a proibição de coligações proporcionais estabelecida pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017, válida para as eleições municipais de 2020.

Abaixo, o texto do artigo 17 da Constituição Federal que trata da vedação das coligações proporcionais:

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Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
(...)
§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.   (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017). (Destacado).
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O artigo 2º da EC nº 97 estabelece que a vedação de coligações proporcionais, prevista no § 1º do art. 17 da Constituição Federal, aplicar-se-á a partir das eleições de 2020.

Como se vê, o Congresso Nacional praticou novamente sua estratégia de utilizar as eleições municipais como laboratório de ensaio para promover as alterações impactantes na legislação eleitoral.

De toda forma, os partidos políticos terão de, efetivamente, exercitar a organização interna, com os investimentos de tempo e recurso financeiro que isso exige, pois não há como se exercitar a democracia participativa sem que haja investimento de dinheiro.

  •  Obrigatoriedade de lançamento de 30% de candidaturas compostas por mulheres


São vários os motivos pelos quais os partidos devem se atentar para sua organização interna, tanto de ordem legal quanto de ordem política. As de ordem legal, destaco a necessidade de preenchimento obrigatório do percentual mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidatura de cada sexo, o que, no atual cenário político-partidário, significa a obrigatoriedade de preenchimento de, no mínimo, 30% de candidaturas compostas por mulheres, e quem tem o mínimo de vivência em administração partidária sabe que atingir essa meta não é nada fácil.

Abaixo, o texto do artigo 10, da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições), que trata sobre o percentual mínimo e máximo para as candidaturas de cada sexo:
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Art. 10.  Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:
(...)
§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009). (Destacado)
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Sobre as questões de ordem política, destaco que, caso o partido não consiga ser atrativo o suficiente para atrair candidaturas eleitoralmente viáveis em quantidade significativa, poderá ter um resultado muito frustrante, pois é preciso atentar-se para as regras do artigo 108 do Código Eleitoral, que estabelece que serão eleitos os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, in verbis:

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Código Eleitoral:

Art. 108.  Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015).
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Assim sendo, com essa novidade, os partidos políticos terão que equacionar milimetricamente o peso das candidaturas lançadas, pois terão que trabalhar tanto a conquista dos votos, de modo a atingir o quociente eleitoral, o que exige uma contribuição a todos as candidaturas lançadas, como também será preciso ter o cuidado para que os candidatos alcancem, individualmente, o percentual mínimo de 10% desse mesmo quociente eleitoral, pois, caso contrário, atingindo o partido somente o quociente eleitoral, sem que seja atingido o percentual mínimo de 10% por algum dos candidatos, o partido não terá direito a nenhuma vaga no parlamento municipal.

Lembrando que o quociente eleitoral obtém-se mediante a divisão do número de votos válidos pelos lugares a preencher na Câmara de vereadores. Já o quociente partidário indica o número de vagas alcançadas pelos partidos e é calculado pela divisão do número de votos conferidos ao partido, diretamente, ou a seus candidatos pelo quociente eleitoral, desprezando-se a fração. ¹

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¹ Sistema político e direito eleitoral brasileiros: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli/Ademar Gonzaga Neto [et al.]; coordenação João Otávio de Noronha, Richard Pae Kim – São Paulo: Atlas, 2016.

10/02/2019

TSE: Nem toda doação acima do limite legal gera inelegibilidade



O Tribunal Superior Eleitoral reformou decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) para deferir (autorizar) registro de candidatura de Eduardo Bartolomeu Reche Peres (RECURSO ORDINÁRIO Nº 0603059-85.2018.6.26.0000) ao cargo de deputado federal, na Eleições 2018.


O candidato teve seu registro de candidatura indeferido (negado) pelo TRE-SP por suposta incidência da causa de inelegibilidade descrita na alínea “p” do inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar nº 64/1990:

___________________________________________________
Lei Complementar 64/90:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:]
(...)
p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22;
___________________________________________________
·         Entenda o caso

O candidato Bartolomeu Reche realizou doação eleitoral acima do limite legal, nas Eleições 2016, à determinada candidata ao cargo de vereadora e, após trânsito em julgado da decisão condenatória, o cartório eleitoral anotou tal condenação (por doação acima do limite legal) em seu cadastro junto ao sistema eleitoral.

Ao registrar sua candidatura ao cargo de deputado federal, nas eleições 2018, o Ministério Público protocolou Ação de Impugnação de Pedido de Registro de Candidatura requerendo o indeferimento do registro de candidatura de Bartolomeu pela condenação que sofrera em relação à doação acima do limite legal que efetuou durante o pleito eleitoral de 2016.

Num primeiro momento, o MPE obteve êxito junto ao TRE-SP, mas o candidato recorreu da decisão e conseguiu reverter o resultado perante o TSE, que considerou que não é qualquer doação que caracteriza excesso para fins de inelegibilidade. O montante doado e o potencial de influir nas eleições devem ser considerados num juízo de proporcionalidade.

O recorrente Bartolomeu doou para a candidata ao cargo de vereadora do Município de Jequié/BA, Luana Lacerda de Almeida, o valor de R$ 20.000,00, ante uma renda de R$ 121.641,53 no ano de 2015, acarretando, em razão do limite legal de 10% desse rendimento bruto, um excesso de R$ 7.835,85, a partir do qual assentou o TRE/SP, no âmbito do registro, que:

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A consulta ao site http://divulgacandcontas.tse.jus.br (http://divulgacandcontas.tse.jus.br/) indica que o valor doado corresponde a 100% dos recursos financeiros recebidos pela candidata Luana Lacerda de Almeida.
Destarte, há incidência da causa de inelegibilidade.
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Segundo o relatório do ministro TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO:

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“Veja-se, portanto, que o único parâmetro utilizado pela Corte Regional – para aferir se a extrapolação de R$ 7.835,85 seria, em tese, capaz de macular a legitimidade e a lisura do pleito municipal de Jequié/BA em 2016 – foi a exclusividade da doação, ou seja, a percepção havida quanto à danosa influência na disputa eleitoral esteve calcada apenas no fato de a candidata donatária não ter recebido outras doações, o que, a meu sentir, não se mostra razoável.

Com efeito, a candidata beneficiária da doação, além de não ter sido eleita, arrecadou e gastou numerário inferior ao limite regulamentar previsto para o cargo almejado naquele certame e município, o qual foi fixado em R$ 32.913,02.
De igual forma, não se tem notícia, ao menos nestes autos, de eventual investigação dessa doação pelo ângulo do abuso do poder econômico (ajuizamento de ação de investigação judicial eleitoral), o que reforça, na minha visão, inexistirem mínimos indicativos de real ofensa à integridade do pleito.”
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O Ministério Público Eleitoral defendeu a tese segundo a qual o critério de incidência da referida inelegibilidade (art. 1º, I, “p”, da LC 64/90) seria objetiva, ou seja, havendo doação acima do limite legal, qualquer que seja o valor, a inelegibilidade deveria ser aplicada.

Contudo, tal radicalismo não está em sintonia com a jurisprudência consolidada da Corte Eleitoral, que entende ser imprescindível a identificação do excesso da doação esboçar, ainda que em tese, aptidão a comprometer a lisura do pleito, o que não se identificou no caso concreto, onde a doação em excesso foi de R$ 7.835,85 (sete mil oitocentos e trinta e cinco reais e oitenta e cinco centavos).

O TSE, à unanimidade, acompanhando o voto do relator, deu provimento ao recurso do candidato Bartolomeu Reche para deferir (autorizar) o registro de sua candidatura ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018.

A título de curiosidade, Bartolomeu obteve 660 votos.




09/02/2019

TRE-PA cassa mandato de vereador de Santarém por infidelidade partidária



Silvio Lopes Amorim teve seu mandato de vereador cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará, em sessão realizada no último dia 22/01/2019. Silvio Lopes foi eleito, nas Eleições 2016, sob a legenda do Partido Social Liberal (PSL), com 3.647 votos.

A ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária (0600116-31.2018.6.14.0000) foi ajuizada pelo diretório estadual do Partido Social Liberal (PSL) e por Jackson Douglas Santana Ferreira, em virtude de suposta desfiliação partidária sem justa causa realizada por Silvio Lopes, o qual migrou para o Partido Social Cristão - PSC.

Ø  Alegações dos requerentes (PSL e Jackson Douglas)

De forma sintética, os autores da ação alegaram que:
  •         No dia 29.03.2016 o Requerido filiou-se ao Partido Social Liberal – PSL no Município de Santarém, tendo sido por esta legenda eleito Vereador, no pleito eleitoral de 2016;
  •         Em 28.03.2018 o Requerido compareceu à Sede do Diretório Estadual do PSL, em Belém, tendo ali protocolizado documento, datado de 15/03/2018, no qual informa ao Partido o seu desligamento, afirmando que solicitou sua desfiliação à Comissão Provisória Municipal do PSL em Santarém, da qual era presidente, sem apresentar qualquer documento que comprovasse suas alegações;
  •         Teria o Requerido afirmado que a Comissão Municipal do Partido lhe concedeu carta de justa causa, sem, no entanto, apresentá-la;
  •         Para justificar sua saída, o Requerido apontou suposto desvio do programa partidário do PSL, ao aceitar a filiação do Deputado Federal Jair Bolsonaro, a quem lançou como pré-candidato à Presidência da República;
  • ·         Assim, apesar de constar como regularmente filiado ao PSC desde 14/03/2018, a desfiliação somente teria se operado em 28/03/2018, quando o Requerido teria apresentado perante o PSL seu requerimento de desfiliação;
  •         Quanto ao mérito da demanda, sustenta que a aceitação da filiação do Deputado Jair Bolsonaro, ou seja, um único ato de filiação a nível federal não influencia em nada a política local e de forma alguma pode ser considerada mudança substancial ou desvio reiterado de programa partidário.

Ø  Alegações dos requeridos (Silvio Lopes Amorim e PSC)





Em suas defesas, Silvio Lopes e o PSC sustentaram que:

  •         No mérito, aduzem haver justa causa para desfiliação, uma vez que o PSL teria praticado atos que caracterizam desvio reiterado ou mudança substancial em seu programa partidário;
  •         Afirmam que o PSL tem o social-liberalismo como diretriz principal, resultando em outras diretrizes como: intervenção mínima do Estado sobre a economia, políticas públicas sociais e garantias relacionadas aos direitos humanos e liberdade;
  •         Tal desvio reiterado e mudança substancial teriam ocorrido a partir da filiação ao partido do candidato a Presidente Jair Bolsonaro o qual, difundiria publicamente e corriqueiramente pensamentos misóginos, homofóbicos, racistas e discriminatórios com todo e qualquer tipo de grupos minoritários e associa orgulhosamente este slogan extremista e discriminatório ao tema da sua pré-campanha a corrida presidencial;
  •         Afirmam ainda que não bastasse o alegado acima, o requerido obteve do PSL de Santarém uma declaração reconhecendo a existência de justa causa para sua desfiliação. Assim, não teria havido infidelidade partidária.



Voto da relatora (Juíza Luzimara Costa Moura)

Em seu voto, no mérito, a juíza relatora, (Dra. Luzimara Costa Moura), rejeitou os argumentos de Silvio Lopes e do PSC aduzindo que:

Sobre carta de justa causa que o vereador recebera ao protocolar sua desfiliação junto ao PSL de Santarém, onde o partido concordaria com a justificativa de sua desfiliação, a magistrada entendeu que tal carta não poderia surtir efeito jurídico para autorizar a desfiliação do vereador, uma vez que fora assinada pela secretária-geral do PSL, Sra. Maria Florinha, em 13/03/2018. Contudo, a comissão provisória do PSL de Santarém estava sem validade desde 16/03/2017. Além disso, a relatora entendeu que a Sra. Maria Florinha não possuía a isenção necessária para assinar, isoladamente, carta de justa causa autorizando o mandatário desfiliar-se do partido sem que houvesse a perda do mandato, tendo em vista que ela, secretária-geral do PSL de Santarém, também era chefe de gabinete do vereador Silvio Lopes, o qual também era o último presidente municipal da sigla em Santarém.

Sobre a tese de que houve mudança substancial e/ou desvio reiterado do programa partidário, excludente que justifica a desfiliação, por conta da filiação do então deputado federal, Jair Bolsonaro, a relatora entendeu que “filiação de uma única pessoa, um único candidato não tem o condão de servir como prova de mudança abrupta no programa partidário.

Também não há provas de que o candidato, recém-filiado, tenha a intenção de voltar-se contra os ideais defendidos pelo PSL em seu programa partidário – Orientação Social Liberalista e defesa dos direitos humanos e liberdades civis.

Talvez o ora Requerido não concorde com algumas opiniões de JAIR BOLSONARO no que tange à defesa de direitos humanos e das liberdades civis, bem como, a intervenção mínima do Estado na economia, mas nada que justifique a desfiliação.

Nesse sentido, penso que o conflito interno, a divergência de opiniões, desde que não ultrapassem os limites previstos no programa partidário, são naturais ao debate e ao jogo político, não podendo ser razão suficiente para justificar o desligamento da agremiação, sob pena de prevalecer o interesse pessoal, camuflado de justa causa.”

Sob tais fundamentos, o TRE-PA, à unanimidade, julgou procedente a ação de perda de mandato eletivo (Acórdão nº 29.915) para determinar a perda do cargo de vereador ocupada por Silvio Lopes Amorim. A Câmara Municipal de Santarém, após a devida comunicação, deve providenciar a posse do 1º suplente do PSL no prazo de 10 dias.